terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Àlvares de Azevedo

Anjo e Eva
SONETO

Pálida, a luz da lâmpada sombria,
Sobre o leito de flores reclinadas,
Como a lua por noite embalsamada,
Entre as nuvens do amor ela dormia!
Era a virgem do mar! Na escuma fria
Pela maré das águas embalada...
- Era um anjo entre nuvens d’alvorada
Que em sonhos se banhava e se esquecia!
Era mais bela! O seio palpitando...
Negros olhos as pálpebras abrindo...
Formas nuas no leito resvalando...
Não te rias de mim, meu anjo lindo!
Por ti - as noites eu velei chorando
Por ti - nos sonhos morrerei sorrindo!



SAUDADES
Tis vain to struggle - let me perish young

BYRON


Foi por ti que num sonho de ventura
A flor da mocidade consumi...
E às primaveras disse adeus tão cedo
E na idade do amor envelheci!



É ELA! É ELA!


É ela! é ela! - murmurei tremendo,
E o eco ao longe murmurou - é ela!...
Eu a vi... minha fada aérea e pura,
A minha lavadeira na janela!
Dessas águas-furtadas onde eu moro
Eu a vejo estendendo no telhado
Os vestidos de chita, as saias brancas...
Eu a vejo e suspiro enamorado!
Esta noite eu ousei mais atrevido
Nas telhas que estalavam nos meus passos
Ir espiar seu venturoso sono,
Vê-la mais bela de Morfeu nos braços!
Como dormia! Que profundo sono!...
Tinha na mão o ferro do engomado...
Como roncava maviosa e pura!
Quase caí na rua desmaiado!
Afastei a janela, entrei medroso:
Palpitava-lhe o seio adormecido...
Fui beijá-la... roubei do seio dela
Um bilhete que estava ali metido...
Oh! De certo ... (pensei) é doce página
Onde a alma derramou gentis amores!...
São versos dela... que amanhã decerto
Ela me enviará cheios de flores...
Trem de febre! Venturosa folha!
Quem pousasse contigo neste seio!
Como Otelo beijando a sua esposa,
Eu beijei-a a tremer de devaneio...
É ela! é ela! - repeti tremendo,
Mas cantou nesse instante uma coruja...
Abri cioso a página secreta...
Oh! meu Deus! era um rol de roupa suja!

Álvares de Azevedo
Pintor Elói Camerzini

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